À Laerte

4 jun

(Outro dia meu irmão me chamou atenção para a quase inexistência de traduções da Laerte para outras línguas. Então fiz esse texto e agora sim os gringos vão ver o que é bom pra alma).
Um dos maiores males que assola o mundo globalizado e internacionalizado de hoje, com inteligência artificial e outros balangandãs, é a ausência de Laerte.
É um roubo por omissão cotidiana.
Mais inexplicável que a eletrodinâmica quântica, que a queda de um pardal, que a teoria política do ex-Olavo de Carvalho, é a falta de abundantes traduções da Laerte nas línguas entre o Albanês e o Zulu. Para as demais 273 línguas faladas no Brasil e também para as 274 línguas (talvez mais) faladas fora do Brasil.
Todos os prêmios Nobel de Física que não leram Laerte são obviamente falsos.
Qualquer estudante de ensino médio que se especializasse em tecelaria em Cantão deveria saber Laerte para melhor tecer.
Qualquer estudante de vestibular da Coréia do Sul, em sua prova específica de mecatrônica, deveria ter vasta sabedoria acerca de um componente central em seu currículo: a Laerte.
Até a parte da obra que ela renegou propiciaria dúvidas e questionamentos, certezas poucas, para justamente as pessoas que precisam de menos certezas mundo afora.
O que um zelador português em Paris não duvidaria melhor ao ler “o zelador”? Como um skatista em Joanesburgo pode fazer de manobras mentais sem ler “o skatista” da Laerte? Como ser um mafioso da Camorra bem humorado sem ler “Don Luigi”? Como pode o Papa sumo pontificar sem ler “Deus” da Laerte?
Os passarinhos, esses sim, pode viver bem sem “Lola, a andorinha”. Nós não.
Todo lugar é Creta e sem Dédalo quando se lê o “Minotauro”, mas todo lugar é Creta sem Dédalo quando não se lê o Minoutauro também. Laerte, eu não entendi. E Deus viu que isso é bom.
Como exercer o exercício inerte de ser um gato doméstico indiferente sem ler os “Gatos” da Laerte? Como praticar o ofício de superherói nos países do norte e do sul global sem a ajuda atrapalhável de “Overman”? Não vou nem chamar o Hugo aqui.
É uma negação às classes laboriosas, aos povos originários, às transsexuais e transgêneros, às negras e negros, aos amarelos e aos caucasianos de outras partes – e aos viciados em jogo do bicho -, daquilo que lhes pertence: a Laerte.
Como quebrar os cadeados existênciais, de gênero, políticos, sexuais e econômicos que a Laerte ainda não lhes insinuou onde estão? Como é possível aos oprimidos do mundo liquifazerem seus grilhões sem o conhecimento de um elemento fundamental nesta árdua tarefa: a Laerte?Todas as artes do inefável, do intangível, da dubiedade, estão lá em Laerte. Nosso país no país. Junto com as concretudes todas também.
O anonimato perdido no cotidiano sequer burocrático de escritórios tampouco não faz sentido direito sem Laerte.
Como usar um terno depois de ler Laerte?
Quem não sabe duvidar terá sempre certezas muito precárias, embora nem sempre efêmeras. Entre as melhores autoras que jamais ensinaram a duvidar, questionavelmente está a Laerte (que catso é essa frase aqui???).
Cadê os grupos de estudo sem foco e sem periodicidade sobre Laerte?
Basta ao espólio à falsa cultura mundial e cosmopolita, que nem mentira elitista pode ser sem Laerte.
Laertize-se rapaz, pela constelação da Laerte do Sul. Mas como? Assim como do norte não se vê o Cruzeiro do Sul, aparentemente também não se vê Laerte. Ainda.
A morte é laertável, laertix, laertíssima, mas mas a inlaertice, essa não laerta nunca de núncaras.
Povos de todo mundo, laertizem-se! Laertizemos-nos, com dúvidas e sem moderação.

 

P.S: Dessa ignorância laertícia acima mencionada, certamente se exclui a Anna, pois essa sem dúvida é Muylaerte.

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